Em Salvador, havia um cinema, o Pax, considerado poeira, que passava programa duplo e fazia a alegria da garotada. Os filmes, quando eram exibidos nesta sala, tinham sua classificação etária diminuída (e não se sabe bem o motivo). Se era probido, no circuito de primeira, para menores de 18 anos, no Pax passava proibido para 14. E, além de um preço módico (atualmente existe uma cruel exclusão do povo com os ingressos astronômicos dos complexos Multiplex e o fechamento dos cinemas de rua; a rigor, os menos aquinhoados pela sorte não vão mais ao cinema, o que vai se refletir no futuro). Numa dessas sessões foi que vi, no glorioso ano de 1960, quando a vida, para mim, era ainda um devir, uma estrada de sonhos e perspectivas (hoje resta-me a constatação de sua finitude e a angústia de estar-no-mundo), Sem lei e sem alma (Gunfight at the O.K. Corral , 1957), de John Sturges, com Kirk Douglas, Burt Lancaster, Rhonda Fleming, Jo Van Fleet, John Ireland, Dennis Hopper, De Forest Kelley, um western primoroso, um espetáculo emocionante, que me deixou adolescente extasiado. A partir mesmo da apresentação, com a voz de Franklin Lane, e a partitura (para ficar sempre no ouvido) de Dimitri Tiomkin. Sobre ser uma versão de uma obra-prima, Paixão dos fortes (My darling Clementine, 1946), do mestre John Ford, com Henry Fonda (inesquecível na cena em que está no barbeiro a se preparar para ver a amada), Victor Mature, Gunfight at the O.K. Corral tinha um marco diferencial que o fazia um outro filme, menos poético que a obra fordiana, mas um espetáculo magistral que revelava em Sturges um realizador de uma carpintaria fenomenal para o despertar da emoção, para a emergência do assombro pelo sábio toque das convenções clássicas do artesanato westerniano. Burt Lancaster (ator soberano, fazia o papel de Wyatt Earp) e Kirk Douglas (que poucos anos depois seria o Spartacus, Doc Holliday, o médico tuberculoso, exímio atirador de facas e jogador compulsivo) davam as cartas da emoção neste western de um cineasta que deveria ser mais lembrado, mais citado, mais visto, mais aplaudido, que é John Sturges (Conspiração do silêncio/Bad day at Black Rock, com Spency Tracy, Robert Ray, bela paráfrase do macarthismo, 1954, Punido pelo próprio sangue/Backlash, com Donna Reed e Richard Widmark, que morreu recentemente e, por isso, ponho aqui uma lágrima, Duelo na cidade fantasma/The law and Jack Wade, com o velho Widmark e Robert Taylor, Duelo de Titãs/Last train from Gun Hill, com Douglas e Anthony Quinn, 7 homens e um destino/The Magnificent seven, e, querem mais? - o bravo Sturges tem muito mais - Fugindo do inferno, mas a colocação aqui de seus triunfos explodiria o post, que se quer de tamanho drops Dulcora).
O fato é que Sem lei e sem alma é um filme que faz parte de minha relação afetiva, quase uma madeleine proustiana.
2 comentários:
Temos falado bastante sobre o mito de um ciclo histórico. A mitificação de valores no ‘western’ transformou esta “cilada” em um duelo heróico. Menos no filme de Sturgers do que no de Ford, também realizados em épocas históricas bem distintas.
Hoje, apresentada de forma mais crua e realística. Politicamente correta? Detesto essa expressão, mas seria talvez a tradução dos fatos como devem ter acontecido. Já em seu filme sobre Wyatt Earp, Kevin Costner (direção de Lawrence Kasdam) a apresenta de outra forma.
Mas essa versão de Sturges (tudo que você falou sobre ele procede), cuja música de Dimitri Tiomkim abrilhanta uma expressão do ainda épico (pero non troppo).
Também ainda a assisti no auge de minha adolescência e me emocionou bastante.
Ola!
Assisti este enredo na versao de 1993, com Kurt Russel e Val Kilmer. Soube q em 1967 dizeram uma continuacao. Vc teria informacoes sobre?
Obrigada!
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